No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio, Sara conversa com o arquiteto Frederico Valsassina sobre o projeto da Adega Herdade do Freixo, localizada em Redondo, Portugal. Ouça a entrevista e leia a transcrição da conversa, a seguir:
Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
Sara Nunes - Bem-vindo arquitecto Frederico!
Frederico Valsassina - Muito obrigado!
SN - Ao longo destes episódios, vamos trazendo para estas conversas projectos de referência, arquitectos de referência e projectos que fazem, de alguma forma, parte da vida das pessoas e sobre os quais, às vezes, sabemos muito pouco. Tentamos também trazer tipologias diferentes (como por exemplo, casas, museus, habitações sociais, terminal de cruzeiros, residência de estudantes, mercados). Hoje vamos falar de uma adega. Na realidade, é uma tipologia de edifício que tem muito a ver com a nossa identidade portuguesa, uma vez que somos reconhecidos internacionalmente pela produção de vinhos. Espero por isso que esta conversa seja interessante para os amantes de arquitectura e também para os amantes de vinho. Começava por lhe perguntar, arquitecto, se é apreciador de vinho e se isso foi fundamental para desenhar esta adega.
FV - Para já, muito obrigado por falarmos sobre este projecto. Sou apreciador de vinhos. Quer dizer, gosto. Não sou bebedor contínuo de vinhos. Penso que isso não foi fundamental para desenhar a adega. Começo por dizer que isto partiu de um concurso. Eu e a minha equipa – que na altura era liderada por Susana Meirinhos (a arquitecta que trabalhou comigo neste projecto) – chegámos a um local completamente inacreditável, com uma morfologia do terreno fantástica e um terreno praticamente virgem (algo quase raro no Alentejo termos uma paisagem completamente natural). Esta herdade era uma herdade de mil hectares com 300 hectares dedicados ao vinho. Começámos por debater como é que iríamos fazer uma adega. Penso que por causa de não termos muita experiência em fazer adegas – tínhamos feito aqui no atelier duas ou três intervenções em adegas, mas de outra escala – estávamos talvez virgens sobre este assunto. Andámos a passear pela herdade para perceber como é que deveríamos implantar o edifício porque uma adega é, essencialmente, um edifício industrial.
Queríamos perceber como é que o iríamos implantar e como é que o edifício iria mexer com a paisagem. Surgiu-nos, entretanto, uma ideia – porque os problemas eram tantos – e questionámo-nos: porque é que não enterramos o edifício para tentar que a paisagem fique com aquele aspecto natural que ela tinha?
SN - Eu por acaso tenho uma curiosidade que não a satisfiz durante a minha investigação, mas o arquitecto vai explicá-la de certeza. Decidiram que o edifício seria enterrado, mas eu pergunto quem é que nasceu primeiro: foi a adega ou foram as vinhas, uma vez que as vinhas estão sob a adega?
FV - Quando nós chegámos, dos 30 hectares que estavam planeados numa primeira fase de plantação de vinhas, deviam estar à volta de 20 e poucos hectares no terreno. Penso que isso é muito interessante porque eu gosto quando os projectos têm tantos problemas que eles acabam por ser orientadores da solução. Por acaso, ouvi noutros episódios deste vosso podcast que o João Luís falou do problema da relação do seu edifício visto dos pontos mais altos da cidade. Aqui connosco passou-se uma coisa semelhante. Andámos no meio das vinhas porque elas estavam muito bem desenhadas e muito bem orientadas. Na altura que visitámos o terreno estava a vinha numa primeira floração, portanto estava com um aspecto lindíssimo. Achámos que seria interessante que as vinhas percorressem aqueles montes e vales e que a adega fosse integrada no seu espaço. Eu penso que a continuação da vinha foi uma consequência da essência da adega. Desde o princípio, eles tinham definido uma área de terrenos francamente férteis para plantar a vinha e acho que mais cedo ou mais tarde ela iria ser implantada naquele sítio, mas parte dela já existia. A acrescer aos problemas que já havia, também existia uma linha de água que no inverno era bastante intensa e depois sobrava-nos relativamente pouco espaço. Quer dizer, seria mais ou menos esta relação porque o projecto também tinha duas fases. Tinha uma fase que era a construção da adega e a recuperação do monte. O monte era muito interessante. Não era um monte turístico, era um verdadeiro monte de trabalho alentejano com arruamentos muito próprios e que ficava numa parte mais alta da herdade. Por causa disso também achávamos que, nesta segunda fase do projecto (ainda por completar), a reconstrução do monte da herdade e das casas dos trabalhadores devia manter a génese do Alentejo com as casas muito puras, muito simples. Portanto cada vez mais se apontava para esta ideia de enterrar o mais possível a adega. Por outro lado há uma coisa muito interessante e que acontece imensas vezes aos arquitectos.
Quando participamos num concurso, a dada altura, há que respeitar o programa, mas nós acabamos por ser os patrões do projecto. Quer dizer, os donos de obra, não é? Por isso não vamos discutindo à medida que vamos pensando. Apostamos numa solução e essa acho que foi a parte mais interessante. Ou seja, quisemos perceber como é que poderíamos desenvolver este programa industrial sem entrar em conflito com a paisagem.
SN - Há sempre um grande respeito pela paisagem, não é?
FV - Sim, neste caso é. Penso que sim. E eu achava que a adega devia fundir-se com a topografia do terreno. Achava isso fundamental.
SN - Existe o facto de o edifício ser enterrado e há também esta questão do respeito pela paisagem, pelo território e pelo Alentejo. Para além disso, sei que existe uma razão tecnológica associada à própria produção do vinho. Pode falar-nos um pouco sobre isso?
FV - Quando partimos desta ideia, a equipa de engenharia que nos dava apoio ficou bastante satisfeita.
SN - Nem sempre os engenheiros ficam satisfeitos! (risos)
FV - Neste caso ficaram bastante satisfeitos. Primeiro porque nós tínhamos, com esta ideia, definido um princípio que era fundamental para a adega. Esse princípio passava pelo controlo da temperatura de uma maneira muito simples. No Alentejo, as adegas querem-se frescas e com uma temperatura constante, portanto nada seria melhor do que enterrá-la. Portanto, esta era uma solução e a própria solução de arquitectura vinha perfeitamente de encontro a este princípio. Depois do ponto de vista estrutural não havia grande problema. Ela é interessante porque a forma da adega é quadrangular, mas lá por dentro não se tem este sentido. Mas também havia por outro lado dois grandes problemas. Um era o problema da ventilação. Hoje em dia, por causa do problema dos gases carbónicos, quando chega a altura da vinificação, a adega tem de ser tratada. E é um gás extremamente perigoso. Nós tínhamos de tratar a parte de ventilação da adega de forma bastante eficaz. Depois aparece uma incongruência. Se por um lado queríamos que a adega fosse enterrada, por outro tínhamos de prever que haveria uma ventilação. Este foi o problema que se colocou, mas depois como aquilo era relativamente perto, durante o concurso fomos várias vezes ver o terreno. À medida que iam surgindo os problemas, nós íamos ao local para ver se o lugar falava connosco e nos dava soluções.
E como é que resolvemos esta solução da ventilação? O monte por ter sido o monte de trabalho era um monte em que todas as facilities estavam à vista. A zona da torrefacção dos cereais e as próprias casas dos trabalhadores não eram para ser casas muito bonitas ou muito alentejanas. Eram para ser práticas. Então reparámos que, à medida que as casas eram feitas, havia várias chaminés e apareceu-nos a ideia de replicar essas chaminés na paisagem porque elas já eram identificadoras do local. Essa foi a primeira solução. Depois, ao enterrarmos a adega, começaram-nos a aparecer dois problemas. O primeiro era que esta adega tinha de ser definida para os próximos 50 ou 60 anos porque como era enterrada tinha de ter uma capacidade de produção que se fosse concentrando; o segundo era que tinha de ser definida de acordo com a quantidade de vinho que quereriam fazer nos próximos anos. Essa parte foi engraçada porque ao enólogo – já numa segunda fase, numa fase de trabalho, depois de termos ganho o concurso, tivemos uma fase altamente produtiva – esta ideia agradou-lhe. E é uma coisa muito interessante! Eu gosto imenso que quando chego a uma obra e a obra começa a fazer parte de todos os intervenientes. Depois posso contar algumas histórias que aconteceram. Toda a gente – desde o empreiteiro mais simples ao mais sofisticado – achava que estava a contribuir para qualquer coisa que era novo. A partir daí surgiram imensas histórias e todos sentiam o edifício como se fosse a obra deles. É muito interessante quando alguém se encontra numa obra e todos acham que são autores. Quer dizer, esta questão da autoria ser dada não me suscita dúvidas. Achei imensa graça porque desde o engenheiro da obra, passando pelo pedreiro até ao simples servente todos estavam contentes em construir aquela adega. Aquilo acabou por ser a situação natural para aquele local.
SN - Todos abraçaram o projecto. O Frederico era apenas o maestro.
FV - Exactamente! Eu tenho uma história muito engraçada. Não era normal, ou melhor não é normal que quando uma pessoa visita a obra tem de andar com capacete de mineiro porque a obra é escura.
SN - Pois é!
FV - Dava assim um ar engraçado. Eu estava a visitar a obra com o encarregado e disse-lhe: “Vou ter uma reunião”, e ele responde: “São 4h30”. E eu perguntei-lhe: “Como é que sabe que são 4h30 se não olhou para o relógio?”, e ele explicou: “É porque nós conseguimos, transformar aquela grande entrada de luz no átrio central num relógio de sol”.
SN - Uau!
FV - Isto é muito interessante. Os próprios trabalhadores agarraram-se à sua função de trabalho, tirando partido do próprio edifício.
SN - O próprio edifício marcava as horas. Incrível!
FV - Exactamente. Fizemos várias visitas que nos pediram para seguir e eu achei imensa graça porque explicava isto e as pessoas gostavam imenso. Quando visitavam a adega no fim já me diziam que eram x horas.
SN - Já havia uma competição! (risos)
FV - Achei imensa graça. E penso que isto é o primeiro sinal de que estava toda a gente a querer trabalhar para o mesmo fim. Depois, a dada altura, achei que era fundamental esta sensação de que a adega estava completamente inserida na paisagem e ela tinha sido a resposta correcta para a zona. Todos os barramentos da adega foram feitos com o terroir das vinhas e a cor era a mesma. Aquilo para ser bem feito, a pessoa quando começa a barrar um paramento não pode acabar porque se não fica marcada uma junta. Um dia em que estive na obra, um trabalhador disse-me: “Estamos a perceber isto perfeitamente. Hoje, em vez de almoçarmos, tomamos um pequeno-almoço mais forte para conseguirmos fazer isto até ao fim do dia”. O prazer das pessoas que estavam na obra era imenso.
SN - Ou seja, até organizavam o seu dia-a-dia para fazerem o melhor possível, não é?
FV - Exactamente! Depois outra coisa que esta adega tinha que era um dado do problema. Em princípio uma adega tradicional há uma altura do ano em que não pode ser visitada, que é na época das vindimas. Ou seja, quando a adega está a trabalhar em pleno. Mediante o programa sabíamos que esta adega seria que era para ser visitável.
SN - No fundo, trata-se de uma fábrica de produção de vinho e ao mesmo tempo permite que pessoas estranhas à produção possam visitar, não é?
FV - Exactamente! E esta adega tem o circuito industrial e tem o circuito dos visitantes. Muitas vezes perguntam-me se eu copiei o Guggenheim. Claro que não copiei o Guggenheim. Porque é que aquilo faz uma espiral?
Faz uma espiral porque num dos dados presentes do concurso aparecia que, ao longo do trajecto, os visitantes deveriam conseguir perceber os vários estágios para fazer o vinho, desde a chegada da uva, passando pela fermentação, a vinificação, o armazenamento até ao embalamento. Como o trajecto tinha de permitir ver estas zonas todas, que estavam à volta deste grande átrio, acabou por ser uma resolução normal que a adega tinha de andar à volta do próprio átrio central por onde entrava a luz e por outro lado porque era a partir daí que as pessoas iam tendo a noção do que é que se estava a passar na parte industrial. Portanto mais uma vez é a consequência do programa que define o próprio espaço.
SN - Acho muito interessante esta sua solução das rampas em espiral. Depois quem puder pesquisar sobre a adega e depois puder ver os artigos que vamos publicar sobre esta entrevista, irá ver nas imagens que realmente existe um paralelismo muito grande com o Museu Guggenheim nestas rampas em espiral. Enquanto que o Guggenheim é acima da linha de terra, o Frederico enterrou esta rampa. O que eu acho curioso é que enquanto que no Guggenheim, ao longo da rampa, podem ser vistas obras de arte, aqui o Frederico colocou janelas onde podem ser vistos esses tais processos de produção do vinho. As pessoas podem espreitar esse processo quase como se fossem também umas molduras, não é? Ou seja, obras de arte, só que neste caso elas estão vivas.
FV - Exactamente. A adega vai desde a cota zero – supondo que a cota da entrada é a cota zero – até à cota menos perto de 30 metros. O que aconteceu foi que existem essas janelas (esses espaços abertos) para se ter a noção do que se está a passar na parte industrial. Para esse efeito existem cotas diferentes. Quisemos que essa espiral (que não é completamente simétrica) fosse alterando conforme as cotas para as pessoas terem a necessidade de perceber o que se estava a passar do lado de lá, desde a chegada da uva à cota zero. Depois há a área toda da fermentação. Como existem cotas diferentes, a espiral vai absorver essas cotas, ora com pés direitos mais altos, ora com pés direitos mais baixos. Eu tenho um princípio na minha arquitectura que é: gosto que estes aspectos façam parte da arquitectura, não as escondo. Portanto estão à vista. Outra das coisas muito interessantes que aconteceu nesta adega foi que, a dada altura, quando começou a escavação, eu estava aqui no meu atelier a trabalhar e recebo um telefonema do encarregado, completamente louco, a dizer que tinha aparecido uma pedra do tamanho descomunal e que aquilo lhe iria inviabilizar a parte da adega, mais especificamente do estágio de barricas.
Meti-me no carro, fui ver o que é que se passava e estava tudo em polvorosa. Realmente tínhamos feito algumas sondagens, mas...
SN - Não estavam a contar com aquela rocha.
FV - Não, não estávamos a contar com a rocha. Nisso tenho uma postura muito prática quando acontecem estes problemas nas obras. Em vez de ser um problema passa a ser uma consequência que vamos ter de aproveitar. Para grande espanto de toda a gente que já estava a pensar como é que se iria destruir a rocha, eu disse: “Não, ela vai ficar aqui porque vai servir para criar parte da humidade necessária para o estágio de barricas”. Muita gente questiona porque é que aquela pedra ficou ali. Ficou ali porque ela estava lá, única e exclusivamente.
SN - Mais uma vez este respeito pelo lugar e pela natureza, não é?
FV - Sim.
SN - E o lugar como resposta a soluções, não é? Já que falávamos sobre materiais, percebe-se que uma das coisas que caracteriza a sua arquitectura é a utilização de poucos materiais na construção dos seus edifícios e este edifício não é excepção. Fale-nos sobre os materiais utilizados nesta adega.
FV - Olhe, eu ando há anos à procura de uma coisa, que em casa até já consegui fazer - é uma das facetas que me dá imenso prazer. Ando à procura de fazer uma casa com um único material. Nós aqui acabamos por fazer praticamente toda a adega (tanto paredes como pavimento e barramento com este tal barramento cimentoso de acordo com o terroir da vinha). Mas depois aconteceu-nos algumas coisas interessantes. Durante a construção começou a aparecer muita pedra pequena solta e questionava-se qual seria o lugar para levar essa pedra. Já agora, há um detalhe que esta adega tem. Ela é enterrada, mas tem uma série de pátios que permite a entrada de luz natural, serve de ventilação e resolve o problema do ar novo. Esses pátios são abertos e ficam completamente descobertos. Então perante todas estas pedras (um género de um xisto que tinha aparecido) – de uma das vezes que eu fui à obra foi criado um monte, uma coisa descomunal – perguntaram-me porque é que o xisto não era partido e não se revestiam estes pátios com este material que era o material que havia da própria adega. Esse foi praticamente o único material que entrou sem ser este cimentoso que revestia a adega toda. Acho que foi interessante porque reutilizámos o material que havia no local. Portanto houve pouco desperdício de matérias.
Depois esta relação interessante entre a terra que está à volta das vinhas e a cor da adega é uma coisa que me agrada de sobremaneira. No princípio o dono de obra perguntava: “Então não fica muito escuro?” e eu respondia que não. Achava que essa era a génese porque quando a pessoa entra na adega parece entrar dentro da terra e o facto de essa terra ser igual à terra da vinha era uma coisa que me agradava imenso.
SN - Era como se não tivesse havido ali construção nenhuma, não é? Como se aquilo fosse natural.
FV - Por vezes falo com amigos meus (que nada têm a ver com arquitectura) sobre a ausência do arquitecto. Claro que isto é uma brincadeira, mas a ideia era que quando a pessoa passasse pelo edifício não sentisse que havia ali qualquer coisa.
SN - O que é que lhe ensinou a adega da Herdade do Freixo sobre a arquitectura e, já agora, também sobre os vinhos?
FV - Sobre os vinhos, eu acho que a profissão do arquitecto tem uma coisa muito interessante. Quando uma pessoa trabalha em temas que não são habituais na sua vida quotidiana vai aprender coisas que nunca tinha intenções de aprender. Para começar por essa aprendizagem com os vinhos, este projecto ajudou-me a perceber o que está por detrás da garrafa de vinho. Penso que é muito interessante ter percebido isso. E por acaso aqui tive a sorte de ter um enólogo que tinha imensa experiência e que nos ajudou imenso.
SN - Acompanhou muito ao longo do processo?
FV - Exactamente. Foi fundamental. Foi o Pedro de Vasconcellos e Souza. Era um enólogo da adega da Casa de Santar. Tinha imensa experiência ao longo dos anos, transmitiu-nos essa experiência e, além disso, tinha gosto. Participou imenso no desenvolvimento do próprio projecto. Por mais interessante que esta conversa seja há uma coisa que a adega tem de fazer, que é fazer vinho.
SN - Exactamente.
FV - Quer dizer, nós podemos achar interessante toda esta dialéctica da arquitectura, mas...
SN - Mas ela tem de funcionar, não é?
FV - Ela tem de funcionar, sim. E aqui achei imensa graça que, a dada altura, discutiu-se uma coisa muito bonita que é esta coisa de como é que se faz vinho por gravidade, desde a chegada da uva até fazer o vinho. Tudo isto tendo em conta que se tinha de tirar de lá o vinho engarrafado. E aqui surgiram, mais uma vez, dois problemas. Como é que tirávamos o vinho a 30 metros abaixo da cota da rua?
SN - Ah, pois é!
FV - Daí surgiram duas possíveis soluções. Poderíamos fazer umas rampas, mas isso não tinha lógica nenhuma porque se nós estávamos a querer fazer uma adega que desaparecesse na paisagem e criássemos um emaranhado de rampas para os autocarros irem até uma área restrita, teriam de ser colocadas rampas com uma extensão brutal. Acabámos, portanto, por optar por uma solução muito simples em que há uma plataforma elevatória de grandes dimensões onde os camiões entram e depois descem até à cota.
SN - Os camiões entram na plataforma? Uau!
FV - Os camiões entram dentro da adega, descem até à cota baixa, são carregados e depois saem outra vez. Portanto é uma solução muito simples e muito mais económica do que fazer rampas, pois com as rampas destruiríamos parte da adega. O problema destes princípios é que uma pessoa tem de ter em atenção vários aspectos para não perder a identidade e não criar soluções que depois são inexequíveis. E isto é essencialmente a génese deste projecto.
SN - Muito obrigada Frederico. Não tive ainda o prazer de visitar este edifício, mas fiquei ainda com mais vontade depois desta conversa e das histórias maravilhosas que nos contou sobre este projecto. Tenho a certeza que quem nos está a ouvir também ficou com muita vontade de visitar. Mais uma vez, muito obrigada por esta conversa Frederico!
FV - Obrigado eu. Foi um prazer!
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.